Lembro
da primeira vez em que ouvi minha avó me contar sobre o inferno e sua miríade
de seres diabólicos: eu tinha apenas 8 anos. Havíamos assistido ao filme
"Amor além da Vida" (ou, no original, "What Dreams May
Come"), e lembro com precisão cirúrgica do momento em que o protagonista
Chris (interpretado por Robbie Williams) desce o abismo em busca de sua esposa
Annie (Annabella Sciorra), andando sobre o que se tornaria para mim a mais
terrível descrição do inferno: um mar de rostos.
Eram
rostos de pessoas pecadoras, num horizonte infinito de sofrimento e agonia.
Guardei para sempre aquela imagem nos recônditos de minha mente, e, apavorado,
tive que interromper a sessão para chorar os horrores que havia visto. Minha
avó, sempre solícita, então começou a me contar que aquele era o inferno da
Bíblia, e que somente as pessoas muito más iriam para aquele lugar.
Desnecessário
dizer que ela jurava de pés juntos que eu não iria para lá!
Mas
aquele imagem sempre me assombrava, não importava quanto o tempo passasse, se
eu fechasse meus olhos eu veria o meu próprio mar de rostos.
No entanto, por mais que eu me esforçasse eu
nunca realmente acreditei no inferno bíblico. Pelo menos, não nos detalhes que
a Bíblia me oferecia, ou mesmo nas pinturas sinistras de Botticelli e tantos
outros. E foi então que resolvi iniciar meus estudos sobre o diabo - e
especificamente sobre a construção de sua figura no decorrer da história.
O
interessante nesta história toda é que quanto mais eu lia, mais os abismos
de Annie me pareciam ilusórios.
E,
quanto mais eu lia, mais a própria concepção do "diabo" se tornava
fascinante - passando de um mero subalterno divino ao próprio receptáculo do
Mal.
Por
isso, começo esta primeira postagem inserindo referências bibliográficas sobre
a história do diabo - referências válidas a historiadores, teólogos e
entusiastas no assunto.
Espero
que façam excelentes leituras.
E
para terminar, nada mais adequado do que citar a famosa frase de Lutero:
"O
diabo é o diabo de Deus"
(Ou deveria ser "o diabo é o diabo do homem"...?)
BETHENCOURT, F. O imaginário da
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