segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Sobre história cíclica e a fúria da cultura antropofágica



Antes de qualquer coisa, gostaria de pontuar que esta postagem concerne tão somente às minhas observações acerca dos rumos da nossa sociedade, bem como sobre a tão profana história cíclica: não é meu intento passar uma verdade por detrás de meus apontamentos, mas tão somente o meu ponto de vista.
Posto isto, gostaria primeiramente de ressaltar o caráter histórico de moralismo e ética: cometerei o pecado mortal do anacronismo em alguns momentos, mas como (não) diria Maquiavel "os fins justificam os meios".
Nos últimos tempos dediquei meu foco à análise do comportamento em sociedade nas grandes civilizações da história: Egito, Grécia, Roma, dentre uma miríade de outros gigantes que poderiam ser mencionados aqui. Mas no fundo todos sabem como funciona: inspirados ou não por um artífice divino, homens começam a codificar normas de conduta moral/ética, passando a atribuir um juízo de valor acerca de comportamentos tidos como virtuosos, bem como àqueles tidos como não virtuosos.
Polarizando o comportamento em sociedade como bom ou mau ["respeite os mais velhos" (virtuoso, ou bom), "não roube" (não virtuoso, e consequentemente mau)], o coletivo passa a ser dominado por estes códigos que são perpetuados pelo uso diário no todo social, incutidos desde a infância a passados de pai para filho (um fato social, como já diria o sociólogo Émile Durkheim).
No entanto... na história das grandes civilizações e nações, me parece que sempre que os bons costumes passam a denotar um grau de distinção social – enaltecendo figuras virtuosas como Péricles, o escriba Any, Luís XIV ou mesmo no caso dos puritanos do Mayflower –, progressivamente os bons costumes passam a cair em desuso; destarte, ainda segundo a minha análise, este fenômeno parece-me ser cíclico.
Regras implicam necessariamente em rigor, do contrário deixam de ser regras e passam a ser opções. Posto isto, analisemos o caso da moralidade aqui no Brasil: passamos por um período em que copiamos (ou pelo menos tentamos copiar) o modelo europeu, dando um "jeitinho brasileiro" de amanteigar certos costumes tidos como desnecessários ou excessivamente rígidos.
Avançando nos ponteiros do grande relógio, quando do golpe dos militares em 1964 que derrubou o presidente Jango, temos o início de um período em que há um excessivo rigor e vigilância quanto aos bons costumes, discernindo o que é lícito do que não o é. Se dita um padrão: um padrão de corte de cabelo; um padrão de moda; um padrão de linguagem; um padrão de ensino... Um padrão para tudo. É eclipsado o direito de livre-expressão do povo brasileiro, e os militares passam a interferir a qualquer sinal de sublevação do povo.
Novas gerações nascem, e as velhas morrem... e os costumes que foram passados de pai para filho começam a ser questionados. Por que este tipo de corte de cabelo é certo, e aquele é "errado"? Por que este estilo musical é lícito, em detrimento àquele?
O povo mobiliza-se, e aquela vigilância excessiva sobre os bons costumes começa a ser questionada.
O próprio culto à moralidade deixa de ser exercido em prol de uma onda pró-reformista, que somente pôde ser freada (mas não parada) pelo DOPS.
Feita esta micro e simplória análise, trago o referido tema para os dias atuais e, como se num caleidoscópio, veremos o mesmo efeito cíclico sob diferentes perspectivas.

Moda – Religiosidade – Educação

O que é a moda? Os marxistas mais xiitas já teriam um discurso pronto na ponta da língua, mas vamos tentar desenvolver o conceito aqui, de forma mais empírica.
Sujeitos tidos como importantes dentro da sociedade começam a vestir-se de uma determinada maneira: de repente uma fita sobre os cabelos, ou mesmo certos tipos de corte de cabelo começam a ser utilizados por membros desta “alta sociedade”, e logo estes elementos que outrora os distinguiam das demais classes (olha o marxismo aqui de novo...) passam a denotar uma oportunidade de “ascensão horizontal”. E o que seria isso? Ora, vejamos o caso mais trivial possível: peguemos a dona Maria para exemplificar o caso. Dona Maria é uma pacata moradora dos subúrbios de São Paulo, é diarista e tem dois filhos – Lucas de nove anos, e Yasmin de 16. Dona Maria é viúva. Imaginemos que neste momento ela está em casa assistindo sua novela das oito: dona Maria trabalha o dia todo, e o único momento em que ela pode desanuviar a cabeça de seus problemas cotidianos é durante a exibição de sua telenovela favorita. De repente é introduzida uma personagem nova à trama chamada Cacau [aliás, incrível a capacidade que nossos roteiristas brazucas tem de dar nomes ABSOLUTAMENTE inverossímeis às personagens: dona Blamônia, Nenéca, Jangão capixaba, Kleitinho Maxell (porque não basta pôr no diminutivo, tem que pôr com “K” também que é para ficar mais chique!); mas este é um assunto a ser abordado numa próxima postagem, por isso voltemos ao tema em questão].
Pois bem, Cacau – a nova personagem – é interpretada pela famosa atriz Jaqueline Rodriguez, que está “bombando” nas telinhas por sua beleza física, carisma, história de vida emocionante e o mesmo lenga-lenga de sempre. Mas o que a nossa pacata dona Maria tem em comum com Cacau? Bem, até ontem nada, mas daqui a duas semanas o cabelo de Cacau será imitado por dona Maria e por outras 200.000 mulheres sem opinião própria que assistem à mesma telenovela. E é aí que temos a tal ascensão horizontal de que falei: não conseguindo ascender à classe dos que ditam a moda (ou seja, sem opção de uma ascensão vertical), as donas Marias da vida espelham seus visuais segundo as pessoas que são consideradas importantes no todo social - ou, no nosso caso, Jaqueline Rodriguez. Ora: a ascensão horizontal compete à tentativa (medíocre) de tentar ser "o melhor" dentro do que há de pior, ou seja: se você é pobre, seja um pobre bem-educado (tentando a ascensão vertical à classe dos ricos); se você é tímido, seja um tímido inteligente (tentando a ascensão vertical à classe dos "descolados"); se você é feio, seja um feio vaidoso (tentando a ascensão vertical à classe dos "belos").
Mas não obstante a plagiar o visual de Cacau, as “noveletes” (terei eu cunhado um novo termo?) ainda irão pautar seu vocabulário pelo da personagem, com aqueles bordões tipo “comigo é assim: bobeou, rodou”, ou ainda “homem comigo é na coleira, nega!”.
Logo, Jaqueline Rodriguez, a atriz, terá ajudado a promover um novo ditame na moda que será tomado durante toda a exibição da novela como indispensável por todos os brasileiros.
(O quê? Vai dizer não é semelhante ao que acontece com um famoso jogador de futebol atual Neymar?)
Logo, temos um padrão de moda. Não quer seguir? Tudo bem, a escolha é sua. Só tenho uma coisa a dizer, caro (a): o sistema está se lixando para a sua opinião, pois você é uma exceção em meio à regra.
Mudando de água para vinho, e o que dizer quanto à religiosidade?
Muitos de nós somos doutrinados ainda quando crianças – época em que geralmente estamos mais propícios a engolir contos de fadas repletos de simbolismos e alegorias –, e por justo motivo ainda indefesos contra os ditames do sistema.
Vivemos numa sociedade majoritariamente deísta na qual qualquer forma de resistência é vista como afronta: portanto, não é de se admirar que o ateísmo ainda seja visto como forma de resistência à religiosidade, e não como uma filosofia de vida (favor não confundir ateísmo com agnosticismo, que são coisas completamente diferentes).
Além disso, ainda temos as ondas de religiosos superficiais – aqueles que acabam aderindo a uma determinada religião buscando inserção num grupo no qual supostamente sentir-se-ão acolhidos. Ledo engano.
No entanto, o foco da questão continua sendo o fenômeno cíclico.
Peguemos o caso da nossa pacata dona Maria e de Belquior. Dona Maria é uma católica não praticante que vai à missa apenas nos domingos e de malgrado, pois certamente preferia ficar dormindo até tarde para descansar de toda uma semana de trabalho; já Belquior é ateísta declarado.
O que ambos têm em comum? Bem, dona Maria, embora professe a religião católica, não a exerce devido à ausência de motivação para tanto; já Belquior, outrora católico quando na infância, hoje é um ateísta declarado por não acreditar em práticas tidas como “ultrapassadas e primitivas” de culto a uma entidade “fictícia e pouco provável”.
Dona Maria está a um passo do ateísmo e não sabe.
Assim como os egípcios passaram por um período de decadência religiosa, assim também o fizeram os gregos, os romanos, assim como a própria cristandade no período pré-reformista. Primeiro a decadência, e logo após a ascensão de um novo modelo.
Se fôssemos esquematizar o pensamento, seria provavelmente da seguinte forma:

Estado de não consciência → estado de consciência primitiva → pensamento totêmico/politeísta → pensamento monoteísta (dualista ou não) → ateísmo (ou seja, o homem como efeito e fim último de sua própria existência)

Vivemos em um tempo em que não há uma motivação para o pensamento religioso, típico dos períodos de decadência. É o fenômeno cíclico atuando, passando a coroa das mãos da religião para a ciência.
Para findar minhas observações, suscito agora a discussão acerca de educação.
A educação sempre fora valorizada em todos os tipos de sociedade, podendo ou não ser utilizada como forma de distinção social (escribas no Antigo Egito; clero e nobreza na Idade Média/Moderna). A perpetuação de certos conhecimentos, ocorrendo de forma pública ou tão somente no seio familiar, é um meio confesso de o homem eternizar-se.
Valorizado ao ponto de ser dividido em graus de aquisição (Academia de Platão; Liceu de Aristóteles), o conhecimento passa a ser concentrado mais recentemente nas grandes Universidades – que tiveram expoentes como Coimbra e Sorbonne.
Uma era dedicada ao culto do conhecimento.
No entanto, ao olhar para os tempos atuais sob a ótica de um educador, penso que há um movimento retrógrado entrando em curso. Ora: uma vez que a informação hoje está disponível a quem quiser acessá-la, parece-me que há uma resistência em transformar informações em conhecimentos; destarte, o homem em si parece dedicar-se com maior ênfase em aspectos triviais de sua existência – como seguir a moda, obter sucesso financeiro e manter um relacionamento sexual.
Não há mais espaço para a educação e o conhecimento.
Não há mais espaço para o progresso.
Penso que, seguindo os traços de uma história cíclica, tendo em vista que hoje estamos numa era de decadência (com horrores como a banalização do sexo por meio da pornografia e prostituição, além de psicopatias jamais vistas antes), a humanidade está à beira de um enorme abismo: o abismo da barbárie.
Parem e pensem: estupros tornaram-se “comuns”; assassinatos abundam pelos motivos mais triviais; o territorialismo retorna com força nas relações pessoais (“esta grama é minha!”); o sexo torna-se objeto de desejo irrefreável – gerando abominações como a pedofilia...
Parem e pensem...
Será mesmo que a história cíclica é assim tão descartável quanto pensamos...?

PS: Dedico esta postagem ao meu grande irmão Lou, com o qual tive discussões acirradas acerca do tema.


segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Microhistória em um simpático churras com Mennochio




Para entendermos as exceções, precisamos entender as regras.
Carlos Ginzburg em “O queijo e os vermes” relata o peculiar caso de Mennochio, um moleiro nascido no século XVI na vila de Montereale, na Itália.
Mennochio é um dos casos que fogem à regra, beirando quase o absurdo.
Devido a seu modo de pensar um tanto quanto peculiar à época, o moleiro fora pego pela Inquisição, torturado e por fim queimado. Mas não sem motivo. Sua filosofia de vida aparentemente “hippie”, beirando o "paz e amor" diferiam (e muito) da ortodoxia clássica da Santa Madre Igreja.
A princípio tido como mais um herege, os inquisidores buscaram de todas as formas associar o pensamento “mennochiano” a qualquer outro tipo de vertente herética vigente à época. Mas em vão.
Simpático às práticas reformadas? Maluco? Um homem à frente de seu tempo? Descubra quem fora Mennochio e qual a sua importância para a vertente da microhistória nesta atraente obra de Carlos Ginzburg.
Tenham excelentes leituras!

Carlos Ginzburg – O Queijo e os Vermes: