domingo, 14 de outubro de 2012

Mitos de criação: os vikings.




Embora os vikings possuíssem um sistema de escrita (o rúnico), não produziram literatura escrita, mas sim uma vasta tradição oral.[1] As fontes escritas existentes sobre a mitologia nórdica referem-se às compilações feitas entre os séculos VIII e XIII, já sob influência cristã (uma vez que, ao colonizar a Islândia, os próprios islandeses incumbiram-se da tarefa de registrar os principais mitos e tradições).[2] No entanto, uma das fontes mais completas sobre a mitologia nórdica concerne ao trabalho do poeta e historiador islandês Snorri Sturluson, que compilara todos os mitos nórdicos de que tivera conhecimento em seu Edda em prosa[3]um manual de poesia escáldica em três partes cujo prefácio, o Gylfaginning, é uma introdução à panteologia nórdica.[4]
Sobre a tradição mitológica dos vikings, Wilkinson[5] afirma que:


Os grandes mitos nórdicos tratam dos grandes temas: a criação do cosmo, as batalhas e amores dos deuses e o fim do mundo. Os nórdicos imaginaram diversas raças de seres mitológicos – de gigantes a anões – que habitam mundos diferentes, paralelos ao nosso, o qual é conhecido como Midgard. A cultura das divindades é bélica e heroica, e o mundo mítico e real se encontram em Valhalla, o grande salão da divindade maior, Odin, onde as almas dos heróis humanos mortos recebem seu galardão celeste.


Gylfaginning apresenta a cosmogonia presente nos poemas do Edda (Vafthrúdhnismál Grimnismál e Voluspá)[6], contando como o mundo surgira a partir do vazio primordial – chamado Ginnungagap. Aos poucos então foram surgindo dois reinos nas extremidades desse vazio: Muspelheim, região do calor e do fogo localizada ao sul; e Niflheim, região do frio e do gelo, localizada ao norte.[7] Do encontro entre os ares de Muspelheim e Niflheim surge o primeiro ser, um gigante de gelo chamado Ymir, do qual surgiram outros gigantes e a vaca Audhumla.[8] Do leite de Audhumla os gigantes alimentaram-se, e com o tempo mais gigantes surgiram (como Buri, Bor, Bestla e Bolthorn), sendo que do relacionamento entre Bor e Bestla sugiram três filhos: Odin, Vili e Ve.[9]
O mito conta que os três irmãos mataram Ymir e construíram o mundo a partir do seu corpo – sendo que Midgard concernia à morada dos homens, e Asgard à morada dos deuses (com todos os mundos sendo sustentados pela árvore Yggdrassil, axis mundi).[10] O casal primordial fora criado por Odin, sendo Askr o primeiro homem e Embla a primeira mulher (sendo ambos criados a partir de árvores).[11]
Os deuses eram então divididos em diferentes classes: os Aesir (deuses celestes, representados por Odin, Vili e Ve) e os Vanir (divindades da Terra, representados por Njord e seus filhos Freyr e Freyja).[12]
A forma de adoração destes deuses em geral estava associada a sacrifícios rituais por enforcamento, além de saques e pilhagens durante a experiência religiosa do berserkr (furor assassino e de invulnerabilidade chamado de “pele de urso”)[13]; quanto ao culto destes deuses, sabe-se que Odin gozava de popularidade somente entre os jarls (nobreza nórdica), sendo que entre o estrato dos kalrs (homens livres) o deus mais popular era Thor.[14]
Acreditava-se que Odin vivia num salão ostentoso chamado Valhalla (ou “salão dos mortos em batalha”), no qual recebia as almas dos guerreiros nórdicos mortos em batalhas, recompensando-os com presentes e honrarias.[15] Era aqui também que os guerreiros banqueteavam-se com carne de javali e com o hidromel servido pelas valquírias, além de treinarem para o evento escatológico chamado Ragnarök.[16]
Segundo a escatologia nórdica o fim do mundo estava ligado às ações do deus metamorfo Loki (pertencente à categoria dos deuses trapaceiros)[17], que em uma de suas malfeitorias causara a morte do deus Balder, filho de Odin; destarte, somado a esse feito, a própria árvore Yggdrassil teria sua folhagem devorada pelos cervos Dáin, Dvalin, Dúneyr e Durathrór, com sua casca em processo acelerado de apodrecimento e a raiz sendo roída pela serpente Nidhogg.[18] Durante este processo, Loki – até então aprisionado desde a morte de Balder –, libertar-se-ia de seus tormentos e convocaria todas as forças contra os Aesir: junto de si traria seu filho Fenrir, um lobo gigante; a serpente Jörmungand; a deusa Hel, além dos gigantes do fogo e do gelo.[19]
Wilkinson [20] apresenta as consequências do embate final:


A luta será cruel e não haverá vencedores. Bem e mal serão destruídos. Por fim, só restará da população do universo uma enorme montanha de cadáveres. Os únicos sobreviventes serão o gigante do fogo Surt, além de um casal de humanos e uns poucos animais que tiverem conseguido se ocultar entre os galhos da árvore do mundo, Yggdrassil. Surt fará dos cadáveres uma grande fogueira para ter certeza de não haver sobreviventes entre eles, eliminando de vez do universo todos os monstros e espécies de demônios e elfos. O fogo destruidor seguirá queimando por anos a fio e a Terra afundará no mar.


Após a consumação do fim deste mundo, um novo mundo surgiria, no qual Balder seria o novo senhor de um universo sem a nódoa do mal.[21]


 REFERÊNCIAS

  
ELIADE, Mircea; COULIANO, Ioan Petru. Dicionário de religiões. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
  
WILKINSON, Philip. Mitos & lendas: origens e significados. São Paulo: Martins Fontes, 2010.



[1] WILKINSON, Philip. Mitos & lendas: origens e significados. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 89.
[2] Id.
[3] Id.
[4] ELIADE, Mircea; COULIANO, Ioan Petru. Dicionário de religiões. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 153
[5] WILKINSON, loc. cit.
[6] ELIADE, loc. cit.
[7] WILKINSON, Philip. Mitos & lendas: origens e significados. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 90.
[8] Id.
[9] Id.
[10] ELIADE, Mircea; COULIANO, Ioan Petru. Dicionário de religiões. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 154.
[11] Id.
[12] WILKINSON, op. cit., 2010, p. 91.
[13] ELIADE, op. cit., 2003, p. 157.
[14] Id.
[15] WILKINSON, op. cit., 2010, p. 99.
[16] WILKINSON, Philip. Mitos & lendas: origens e significados. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 99.
[17] ELIADE, Mircea; COULIANO, Ioan Petru. Dicionário de religiões. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 155.
[18] Ibid., 2003, p. 155-156.
[19] Id.
[20] WILKINSON, op. cit., 2010, p. 98.
[21] Ibid., 2010, p. 99.



4 comentários:

  1. Você conseguiu condensar a mitologia nórdica em pouquíssimos parágrafos - parabéns! (Quem dera eu tivesse um poder de síntese desses, kkkk!)

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    1. Obrigado Agatha.

      O poder de síntese surge quando o prazo aperta, huahuahua!

      Um abraço!

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  2. Na minha opinião a mitologia nórdica é a que possui maior sensibilidade poética em sua construção.


    (Ao autor: que fique claro que senti falta do Thor! Por onde anda o deus do trovão?)

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    1. Concordo com sua colocação, Renan. Espero em breve poder escrever algo sobre as Valquírias também.

      Quanto ao Thor... bem, digamos que ele está meio ocupado nas gravações de "Os Vingadores 2"...

      Kkkk, um abraço!

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