sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Entre o bem e o mal: a demonização do deus Seth



Os antigos egípcios alimentavam a crença de que o mundo era composto por diversos deuses (politeísmo), sendo que estes estavam intimamente relacionados com as mais diversas práticas sociais da cultura egípcia: logo, todas as estruturas sociais estavam amparadas num forte senso religioso, que inclusive embasava o comportamento e as leis no Antigo Egito.
Nas variedades dos mitos de criação egípcios, encontramos a distinção entre deuses de primeira, segunda e terceira ordem, ou seja: deuses primordiais (criadores do céu e da terra), deuses secundários (em geral associados às forças da natureza e seus elementos, ou mesmo aos astros) e deuses terciários – cujas funções variam entre auxiliar os homens e mesmo vigia-los para que estes não vão contra a vontade dos deuses (a lei pregada na Maat, por exemplo).
E é entre todos os mais de setecentos deuses egípcios até hoje conhecidos que encontramos a figura do deus Seth – que é aquele que possui, talvez, um dos históricos mais conturbados.
Desde seu surgimento até a sua integração ao mundo egípcio, Seth passa por posições inicialmente favoráveis até posições em que passa a ser concebido como o próprio receptáculo do mal – sendo o objetivo deste estudo demonstrar a evolução da personagem Seth na mitologia egípcia no decorrer da história deste povo.
Filho de Nut (deusa do céu) e Geb (deus da terra), conta-se que Seth (“Setekh”, “Setesh”, “Suty” ou também “Sutekh”) teria rasgado o ventre de sua própria mãe ao nascer – dando assim a tônica no tocante à sua personalidade, deveras, violenta. Adorado como o deus das tempestades, do deserto e dos estrangeiros, sabe-se que durante o processo de sua construção tornou-se também o deus da escuridão, do caos e da hostilidade.
Tendo seu culto concentrado na região do Alto Egito (especificamente em Naqada/Ombos), é de suma importância ressaltar que no período pré-dinástico Seth era tido como um deus essencialmente benévolo, pois segundo a crença primitiva ele auxiliava o deus Rá na luta contra a serpente Apófis. Destarte, os adeptos ao seu culto provinham dos mais altos estratos da sociedade egípcia, o que demonstra que o deus não possuía uma posição subalterna aos olhos da sociedade egípcia.
Com a evolução da personagem no panteão dos deuses egípcios, sabe-se que Seth passara a antagonista no relato religioso devido ao conflito de sucessão entre ele e Hórus. Antes, no entanto, compete descrever de forma breve o início deste conflito mitológico dentro do panteão dos deuses.
Sendo filhos de Nut e Geb, os deuses Osíris, Ísis, Néftis e Seth eram, portanto, irmãos. Quando do plano de Seth para dar cabo à vida de Osíris – visando ocupar a posição que pertencia ao irmão –, sabe-se que da consumação da morte de Osíris em diante Seth passa a carregar a imagem do “usurpador” ante os demais deuses. Com a morte do pai, Hórus – o herdeiro legítimo – reclama o trono que era seu por direito, mas encontra uma feroz resistência por parte de Seth, que passa a travar uma batalha sem precedentes contra seu sobrinho.
Quando Seth por fim consegue ser contido pelos demais deuses e julgado (segunda a tradição mais popular), Seth é condenado a carregar a barca do deus Rá em suas costas por toda a eternidade, para que o deus do Sol pudesse largar dos remos da barca e enfrentar a serpente Apófis.
E é a partir deste conflito que envolve traição (a conspiração contra o próprio irmão), vingança (o embate de Hórus contra o tio usurpador) e condenação que Seth passa a ter a sua imagem demonizada (lato sensu), tornando-se um deus essencialmente mal a partir do Terceiro Período Intermediário (1070-712 a.C.).
Sua própria representação artística reflete muito de sua essência caótica: Seth aparece na maioria das representações como um ser antropozoomorfo, misto de homem com animais como cachorro, crocodilo, porco, asno, escorpião, hipopótamo e mesmo o aardvark - este um animal que se distribui por todas as planícies e savanas do sul da África, sendo também conhecido como “porco-da-terra”. Quanto aos animais, devemos lembrar que o crocodilo, o escorpião e o hipopótamo eram animais muito temidos pelos egípcios – e ao ser associado a estes animais, o deus passava a representar uma divindade essencialmente caótica e perigosa.


2 comentários:

  1. Finalmente descobri qual o animal que representava o Seth. Claro: quem suspeitaria do inocente aardvark? kkkkk

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    1. Durante a pesquisa eu jurava que era um tipo de cachorro ou algo do tipo... e qual não foi minha surpresa quando deparei-me com esta peculiar criaturinha!

      (A efeito de nota de rodapé: o aardvark é um tipo de tamanduá, pois alimenta-se de cupins.)

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