Antes de qualquer coisa, gostaria de pontuar que esta postagem
concerne tão somente às minhas observações acerca dos rumos da nossa sociedade,
bem como sobre a tão profana história cíclica: não é meu intento passar uma
verdade por detrás de meus apontamentos, mas tão somente o meu ponto de vista.
Posto isto, gostaria
primeiramente de ressaltar o caráter histórico de moralismo e ética: cometerei
o pecado mortal do anacronismo em alguns momentos, mas como (não) diria
Maquiavel "os fins justificam os meios".
Nos
últimos tempos dediquei meu foco à análise do comportamento em sociedade nas
grandes civilizações da história: Egito, Grécia, Roma, dentre uma miríade de
outros gigantes que poderiam ser mencionados aqui. Mas no fundo todos sabem
como funciona: inspirados ou não por um artífice divino, homens começam a
codificar normas de conduta moral/ética, passando a atribuir um juízo de valor
acerca de comportamentos tidos como virtuosos, bem como àqueles tidos como não
virtuosos.
Polarizando
o comportamento em sociedade como bom ou mau ["respeite os mais
velhos" (virtuoso, ou bom), "não roube" (não virtuoso, e
consequentemente mau)], o coletivo passa a ser dominado por estes códigos que
são perpetuados pelo uso diário no todo social, incutidos desde a infância a passados
de pai para filho (um fato social, como já diria o sociólogo Émile
Durkheim).
No
entanto... na história das grandes civilizações e nações, me parece que sempre
que os bons costumes passam a denotar um grau de distinção social – enaltecendo
figuras virtuosas como Péricles, o escriba Any, Luís XIV ou mesmo no caso dos
puritanos do Mayflower –, progressivamente os bons costumes passam a cair em
desuso; destarte, ainda segundo a minha análise, este fenômeno parece-me ser
cíclico.
Regras
implicam necessariamente em rigor, do contrário deixam de ser regras e passam a
ser opções. Posto isto, analisemos o caso da moralidade aqui no Brasil:
passamos por um período em que copiamos (ou pelo menos tentamos copiar) o
modelo europeu, dando um "jeitinho brasileiro" de amanteigar certos
costumes tidos como desnecessários ou excessivamente rígidos.
Avançando
nos ponteiros do grande relógio, quando do golpe dos militares em 1964 que
derrubou o presidente Jango, temos o início de um período em que há um
excessivo rigor e vigilância quanto aos bons costumes, discernindo o que é
lícito do que não o é. Se dita um padrão: um padrão de corte de cabelo; um
padrão de moda; um padrão de linguagem; um padrão de ensino... Um padrão para
tudo. É eclipsado o direito de livre-expressão do povo brasileiro, e os
militares passam a interferir a qualquer sinal de sublevação do povo.
Novas
gerações nascem, e as velhas morrem... e os costumes que foram passados de pai
para filho começam a ser questionados. Por que este tipo de corte de cabelo é
certo, e aquele é "errado"? Por que este estilo musical é lícito, em
detrimento àquele?
O
povo mobiliza-se, e aquela vigilância excessiva sobre os bons costumes começa a
ser questionada.
O
próprio culto à moralidade deixa de ser exercido em prol de uma onda
pró-reformista, que somente pôde ser freada (mas não parada) pelo DOPS.
Feita
esta micro e simplória análise, trago o referido tema para os dias atuais e,
como se num caleidoscópio, veremos o mesmo efeito cíclico sob diferentes
perspectivas.
Moda
– Religiosidade – Educação
O
que é a moda? Os marxistas mais xiitas já teriam um discurso pronto
na ponta da língua, mas vamos tentar desenvolver o conceito aqui, de forma mais
empírica.
Sujeitos
tidos como importantes dentro da sociedade começam a vestir-se de uma
determinada maneira: de repente uma fita sobre os cabelos, ou mesmo certos
tipos de corte de cabelo começam a ser utilizados por membros desta “alta
sociedade”, e logo estes elementos que outrora os distinguiam das demais
classes (olha o marxismo aqui de novo...) passam a denotar uma oportunidade de
“ascensão horizontal”. E o que seria isso? Ora, vejamos o caso mais trivial
possível: peguemos a dona Maria para exemplificar o caso. Dona Maria é uma
pacata moradora dos subúrbios de São Paulo, é diarista e tem dois filhos –
Lucas de nove anos, e Yasmin de 16. Dona Maria é viúva. Imaginemos que neste
momento ela está em casa assistindo sua novela das oito: dona Maria trabalha o
dia todo, e o único momento em que ela pode desanuviar a cabeça de seus problemas
cotidianos é durante a exibição de sua telenovela favorita. De repente é
introduzida uma personagem nova à trama chamada Cacau [aliás, incrível a
capacidade que nossos roteiristas brazucas tem de dar nomes ABSOLUTAMENTE
inverossímeis às personagens: dona Blamônia, Nenéca, Jangão capixaba, Kleitinho
Maxell (porque não basta pôr no diminutivo, tem que pôr com “K” também que é
para ficar mais chique!); mas este é um assunto a ser abordado numa próxima
postagem, por isso voltemos ao tema em questão].
Pois
bem, Cacau – a nova personagem – é interpretada pela famosa atriz Jaqueline
Rodriguez, que está “bombando” nas telinhas por sua beleza física, carisma,
história de vida emocionante e o mesmo lenga-lenga de sempre. Mas o que a nossa
pacata dona Maria tem em comum com Cacau? Bem, até ontem nada, mas daqui a duas
semanas o cabelo de Cacau será imitado por dona Maria e por outras 200.000
mulheres sem opinião própria que assistem à mesma telenovela. E é aí que temos
a tal ascensão horizontal de que falei: não conseguindo ascender à classe dos
que ditam a moda (ou seja, sem opção de uma ascensão vertical), as donas Marias
da vida espelham seus visuais segundo as pessoas que são consideradas
importantes no todo social - ou, no nosso caso, Jaqueline Rodriguez. Ora: a
ascensão horizontal compete à tentativa (medíocre) de tentar ser "o
melhor" dentro do que há de pior, ou seja: se você é pobre, seja um pobre
bem-educado (tentando a ascensão vertical à classe dos ricos); se você é
tímido, seja um tímido inteligente (tentando a ascensão vertical à classe dos
"descolados"); se você é feio, seja um feio vaidoso (tentando a
ascensão vertical à classe dos "belos").
Mas
não obstante a plagiar o visual de Cacau, as “noveletes” (terei eu cunhado um
novo termo?) ainda irão pautar seu vocabulário pelo da personagem, com aqueles
bordões tipo “comigo é assim: bobeou, rodou”, ou ainda “homem comigo é na
coleira, nega!”.
Logo,
Jaqueline Rodriguez, a atriz, terá ajudado a promover um novo ditame na moda
que será tomado durante toda a exibição da novela como indispensável por
todos os brasileiros.
(O
quê? Vai dizer não é semelhante ao que acontece com um famoso jogador de
futebol atual Neymar?)
Logo,
temos um padrão de moda. Não quer seguir? Tudo bem, a escolha é sua. Só tenho
uma coisa a dizer, caro (a): o sistema está se lixando para a sua opinião, pois
você é uma exceção em meio à regra.
Mudando
de água para vinho, e o que dizer quanto à religiosidade?
Muitos
de nós somos doutrinados ainda quando crianças – época em que geralmente
estamos mais propícios a engolir contos de fadas repletos de simbolismos e
alegorias –, e por justo motivo ainda indefesos contra os ditames do sistema.
Vivemos
numa sociedade majoritariamente deísta na qual qualquer forma
de resistência é vista como afronta: portanto, não é de se admirar que o
ateísmo ainda seja visto como forma de resistência à religiosidade, e não como
uma filosofia de vida (favor não confundir ateísmo com agnosticismo, que são
coisas completamente diferentes).
Além
disso, ainda temos as ondas de religiosos superficiais – aqueles que acabam
aderindo a uma determinada religião buscando inserção num grupo no qual
supostamente sentir-se-ão acolhidos. Ledo engano.
No
entanto, o foco da questão continua sendo o fenômeno cíclico.
Peguemos
o caso da nossa pacata dona Maria e de Belquior. Dona Maria é uma católica não
praticante que vai à missa apenas nos domingos e de malgrado, pois certamente
preferia ficar dormindo até tarde para descansar de toda uma semana de
trabalho; já Belquior é ateísta declarado.
O
que ambos têm em comum? Bem, dona Maria, embora professe a religião católica,
não a exerce devido à ausência de motivação para
tanto; já Belquior, outrora católico quando na infância, hoje é um ateísta
declarado por não acreditar em práticas tidas como “ultrapassadas e primitivas”
de culto a uma entidade “fictícia e pouco provável”.
Dona
Maria está a um passo do ateísmo e não sabe.
Assim
como os egípcios passaram por um período de decadência religiosa, assim também
o fizeram os gregos, os romanos, assim como a própria cristandade no período
pré-reformista. Primeiro a decadência, e logo após a ascensão de um novo modelo.
Se
fôssemos esquematizar o pensamento, seria provavelmente da seguinte forma:
Estado
de não consciência → estado de consciência
primitiva → pensamento totêmico/politeísta → pensamento
monoteísta (dualista ou não) → ateísmo (ou seja, o homem como efeito
e fim último de sua própria existência)
Vivemos
em um tempo em que não há uma motivação para o pensamento
religioso, típico dos períodos de decadência. É o fenômeno cíclico atuando,
passando a coroa das mãos da religião para a ciência.
Para
findar minhas observações, suscito agora a discussão acerca de educação.
A
educação sempre fora valorizada em todos os tipos de sociedade, podendo ou não
ser utilizada como forma de distinção social (escribas no Antigo Egito; clero e
nobreza na Idade Média/Moderna). A perpetuação de certos conhecimentos,
ocorrendo de forma pública ou tão somente no seio familiar, é um meio confesso
de o homem eternizar-se.
Valorizado
ao ponto de ser dividido em graus de aquisição (Academia de Platão; Liceu de
Aristóteles), o conhecimento passa a ser concentrado mais recentemente nas grandes
Universidades – que tiveram expoentes como Coimbra e Sorbonne.
Uma
era dedicada ao culto do conhecimento.
No
entanto, ao olhar para os tempos atuais sob a ótica de um educador, penso que
há um movimento retrógrado entrando em curso. Ora: uma vez que a informação
hoje está disponível a quem quiser acessá-la, parece-me que há uma resistência
em transformar informações em conhecimentos; destarte, o homem em si parece
dedicar-se com maior ênfase em aspectos triviais de sua existência – como
seguir a moda, obter sucesso financeiro e manter um relacionamento sexual.
Não
há mais espaço para a educação e o conhecimento.
Não
há mais espaço para o progresso.
Penso
que, seguindo os traços de uma história cíclica, tendo em vista que hoje
estamos numa era de decadência (com horrores como a banalização do sexo por
meio da pornografia e prostituição, além de psicopatias jamais vistas antes), a
humanidade está à beira de um enorme abismo: o abismo da barbárie.
Parem
e pensem: estupros tornaram-se “comuns”; assassinatos abundam pelos motivos
mais triviais; o territorialismo retorna com força nas relações pessoais (“esta
grama é minha!”); o sexo torna-se objeto de desejo irrefreável – gerando
abominações como a pedofilia...
Parem
e pensem...
Será
mesmo que a história cíclica é assim tão descartável quanto pensamos...?
PS: Dedico esta
postagem ao meu grande irmão Lou, com o qual tive discussões acirradas acerca
do tema.
Cara, você acabou de refletir sobre o sentimento de vazio e incompletude que perturbam o homem neste momento de transição. Os antigos valores destoam da realidade. É chegado o momento de uma mudança.
ResponderExcluirParabéns pela postagem!
Obrigado Agatha! ;)
ExcluirNão tinha parado para pensar a respeito.
ResponderExcluirA postagem soou meio apocalíptica... viés religioso ou seria engano meu?
De toda forma a postagem foi muito boa, parabéns.
Acho que foi engano seu, meu caro Renan. O Diabo de Deus é o blog mais laico que você encontra na web!
ExcluirA começar pelo nome!
Haha, um abraço fraterno!